25 de fev. de 2020

A insustentável leveza do ser

“O que procurava em todas essas mulheres? O que é que o atraía? O amor físico não é sempre a eterna repetição do mesmo?De forma nenhuma. Há sempre uma pequena percentagem de inimaginável. Quando via uma mulher vestida, embora, evidentemente, pudesse fazer mais ou menos uma idéia de como seria depois de despida (aqui a sua experiência de médico completava a do amante), restava sempre um pequeno intervalo de inimaginável entre a inexatidão da idéia e a precisão da realidade, e era precisamente essa lacuna que lhe tirava o sossego. Tomas vivia obcecado pelo desejo de descobrir esse milionésimo e de apoderar-se dele, e esse era o sentido que dava à sua obsessão por mulheres. Não vivia obcecado pelas mulheres, vivia era obcecado pelo que cada uma delas tem de inimaginável ou, por outras palavras, vivia obcecado por esse milionésimo de diferente que faz com que uma mulher se distinga das outras. Só na sexualidade é que o milionésimo de diferente aparece como uma coisa preciosa, porque não é publicamente acessível e tem de ser conquistado. Não era, portanto, de forma nenhuma, o desejo da volúpia (a volúpia aparecia por assim dizer como brinde), mas o desejo de apoderar-se do mundo (de abrir com o bisturi o corpo jazente do mundo) que o fazia andar atrás das mulheres.”
Milan Kundera in “A insustentável leveza do ser”

Publicado originalmente em 20/06/2008

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