25 de set. de 2009

Tente!



Aprendi uma vez a olhar o mundo de cabeça para baixo.
Já pensaste como é que pode funcionar em determinados momentos?
O que é ruim 
fica bom,
o que é infeliz
 fica feliz,
o que é triste
 fica alegre e,
 quando a gente olha para o chão,
vê o céu.

Jane Tutikian In: A rua dos secretos amores

17 de set. de 2009

Mermaids

Já era tarde alta quando a mais animada delas decidiu que era hora de ir brincar na beira do mar.Tinha sido um dia difícil,de mar revolto,cheio de ondas grandes que batiam no paredão de pedra,perto de onde viviam.A mãe pôs a mão nos olhos,como a esticar o olhar e disse-lhes que não se afastassem,pois Netuno parecia enfurecido.A família Aquamarina era mesmo engraçada: as trigêmeas,uma mãe prestimosa e um pai bonachão que vivia fora de casa, a desbravar os sete mares.Era um homem virtuoso e cheio de amor,dizia a mãe se derramando em cuidados.Marane nascera primeiro e sua paixão eram os bichos que moravam no fundo do mar,queria conhecer o mundo,mas sabia que antes teria que conhecer o seu quintal.Louca por estrelas do mar se derramava em sonhos quando as tinha na palma da mão.Já a Maraíza, a segunda,era a mais curiosa.Tinha sempre perguntas na ponta da língua e a mãe se via às voltas com seus questionamentos sempre corriqueiros:"Nosso mundo pode ser preso numa concha?","É verdade que Netuno tem 7 esposas?","Como se fazem as sereias?".Gostava de ter o mundo acerca de si e achava a vida um eterno mistério sempre envolta em acontecimentos que nem sempre tinham explicação.Já a Míriade,a mais ajuizada de todas, cabia a curiosidade acerca das coisas da terra dos homens.Toda e qualquer criatura que tivesse conhecido a terra lhe encantava e ficava horas à conversar com estes seres,indagando,discutindo,devaneando.As três irmãs eram cada uma à seu jeito, amantes da vida, e na tarde em que foram pegas numa rede de marinheiro,na tarde em que sufocadas de terror,foram parar numa frigideira escaldante da casa de um pescador,descobriram tarde demais que o homem,salvo algumas raras excessões,não estava preparado para o encontro com os seres oníricos de além mar.Não tinham olhos para vê-los, não mais acreditavam em sonhos de água.E nessa tarde que um pescador se vangloriou de ter pegado três peixes de vez,(pequenos demais,dissera,mas que davam para matar a fome) no fundo do mar uma mãe chorava a ausência de suas três filhas,pedaços de vida que nunca mais voltariam pra casa.

7 de set. de 2009

Se...

Se eu pudesse viver a minha vida de novo eu faria tudo igual. Se eu pudesse viver a minha vida sem pressa eu teria sido feliz.Acho eu que a pressa do dia a dia,aos poucos, e cotidianamente,matou toda a minha esperança de ser alguém. O fato é que quanto mais eu corria, mais eu via que não conseguia agarrar o que eu tanto queria ter.Mas o que é mesmo que eu queria?O que eu desejava?Se eu pudesse não teria te dado aquele beijo na chuva,naquele dia em que os ventos pareciam glaciais.Se eu pudesse só teria te dado aquele beijo na chuva,naquele dia em que os ventos pareciam glaciais.E não teria acontecido mais nada,e não teria acontecido esse tudo e esse vazio não estaria mais aqui.Esse vazio que acabou por se transformar em coisa doída e sem jeito de passar.Eu só queria ir pra cama com você.Eu te amei desde o primeiro dia.Se eu pudesse teria comido mais doces,o medo de diabete não resultou em nada,nunca a tive.Se eu pudesse teria ido ao exterior quanta vezes meu coração quisesse. Mas, se eu nunca tive dinheiro como eu poderia ter ido ao exterior?Ah! quanta coisa deixei de fazer por medo de morrer, por medo de perder o ônibus,por medo de perder o emprego,por medo de adoecer,por medo de perder a paz,por medo de conhecer o novo,por medo.Quanta coisa ficou pra trás,quanta gente!Aqui nesse apartamento dessa cidade que nunca pára e que tem milhares de lugares para se conhecer,aqui na capital dessas minas onde vim parar depois de tanto viajar, aqui, de onde estou a escrever freneticamente agora,aqui.Esta cidade foi a única que trouxe paz ao meu coração.Foi para ela que vim depois de muita discussão com meus pais,depois de muito tentar,depois de tudo.Aqui eu vivi o tudo e o nada,tive meus amores secretos e outros nem tanto.Tive meus trabalhos queridos e de outros não posso dizer o mesmo.Aqui fui feliz, à minha maneira.Mas depois do beijo glacial nada mais foi o mesmo.E eu, que tinha medo de fazer o exame no urologista,descobri que tinha uma doença incurável.Que manchava o sangue e minha alma.Que fazia doer e pensar nessa vida que vivi.Se eu pudesse correria atrás de você nessa manhã de segunda de feriado nacional.Se eu pudesse eu tiraria minha roupa no meio da praça da liberdade,só pra ver se saía no jornal com as manchetes:"Homem louco tira a roupa na praça da liberdade e afirma:"Agora eu tenho coragem!".Mas eu não saí de casa,não tirei a roupa na praça, e não tive coragem.No mais, estou morrendo e o barulho dessa cidade que não pára me enlouquece.Quisera eu somente o silêncio que aqueles que sabem que vão morrer possuem.O silêncio da fala,da alma,da pele morta,do desejo frio.Mas não, à despeito de tudo,meu coração não cessa de bater,nesse "tum-tum" entontecido,nesse bate-bate desvairado,até que chegue a hora, até que eu pare de escrever,de sentir, de viv...