31 de jan. de 2009

A esfinge


"Decifra-me ou te devoro",disse a esfinge;à um Édipo exausto e sequioso,por água,alento e consolo.A pergunta fatídica enfim fora feita, e a Édipo, a vida parecia sorrir enfim,pois ele,sádico e confiante,sabia a resposta.Fazendo com que a esfinge, que não contava com isso, ao ouvir estupefacta as palavras que saíam de sua boca,fosse obrigada a deixá-lo passar,adentrar a cidade em ruínas, vendo-o com o rabo dos olhos,sumir ao longe.Eu sempre achei que o segredo deste fragmento feliz da vida de Édipo(sim,porque todos sabemos o final desta triste história), o segredo que fez este incauto personagem mitológico vencer a artimanha da esfinge guardiã, tenha sido a confiança.A confiança que o sábio jovem, creditava a si mesmo.Acreditar em si mesmo, muito mais do que simplesmente saber as respostas,esse era então,o segredo maior.Quanto a mim,sempre tive muita dificuldade em acreditar nas pessoas.Vê-las com o canto dos olhos,lê-las com pedaços de alma,despi-las toda vez que com elas conversava,sempre foi um prazer.Mas este prazer limitava-se apenas ao degustar,nunca,ou quase nunca,ao confiar.Com a adolescência e a maturidade, fui perdendo isso, e passando aos poucos, a confiar mais nas pessoas.Mas foi nessa época ,e isso continua até os dias de hoje,que percebi, que confiar ou desconfiar,era o que menos importava, pois um dia vamos todos ser enganados.Seja em relação à economia,quando percebemos que o preço da gasolina aumentou ao invés de diminuir,como disseram os jornais, seja quando achamos que fomos bem naquela prova de concurso ou seja,quando descobrimos que a pessoa que estava do nosso lado não era bem o que acreditávamos que era.A vida é, toda ela feita de enganos.E, não se engane,você ainda vai ser ludibriado pelas pessoas que você ama.Um dia você percebe que mesmo os que dizem te amar,serão capazes de te virar as costas quando você mais precisar, e quando tudo estiver escuro você vai perceber também,que só mesmo você poderá ajudar-se ,somente você será capaz de se tirar da lama de uma depressão ou grande sofrimento.Quando estou assim,com os nervos à flor da pele,tudo volta.Traumas de infância, velhas tristezas,feridas e cicatrizes.E eu durmo,durmo muito.Sinto um sono horrendo e longo.Como se a cama quisesse me puxar e engolir,como se só dormindo eu conseguisse fugir do mundo cá de fora.Decifra-me ou te devoro, disse a esfinge.E eu se estivesse no lugar de Édipo,estaria agora como estou,em frangalhos,cacos de pele ou de luz.Porque definitivamente não poderia responder à pergunta da esfinge.E não,porque não saberia a resposta,mas sim,porque neste exato momento,perdi a confiança em mim.Como enfrentar a pergunta maior que me assalta toda vez que me olho no espelho? Estarei eu preparada para as dores do mundo?
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9 de jan. de 2009

Sobrenome desejo


Seu sobrenome era desejo.Gostava de volver os olhos sobre as coisas,como quem procura algo inflamável,defectível,detectável.Era do tipo de pessoa que estava sempre disposta a receber e doar,assim como quem reparte um pedaço de pão,uma pétala de flor,um gole de água ou chá.Desde cedo percebera que ardia em si o fogo das grandes coisas, a labareda que intensificava pensamentos e quereres.O que fazer com aquela ânsia de viver?O que fazer com aquela vontade de pegar o mundo inteiro e trincá-lo com os dentes?O que fazer com a vontade de sorvê-lo como se fosse a última bebida a ser saboreada,a derradeira coisa a ser feita?Desejar era sua palavra de ordem,e quando o assunto era amor,ela sabia amar como ninguém.E muitos se perderam e se lançaram em seu leito, e muitos se vangloriaram por tê-la possuído, não percebendo no entanto, que eles é que foram os degustados.As vezes quedava-se quieta no embalo da rede mansa,mas mesmo em momentos de paz,vinha-lhe ao pensamento imagens de fogo,como se ela tivesse nascido apenas para desejar e desejar sem fim.Quando desejou morrer,deu-se ao primeiro homem, e deliciou-se com seus beijos e com as pequenas mortes que ele lhe proporcionou.Quando desejou renascer,pariu um filho e viu de suas entranhas sair um ser, feito de pedaços/fragmentos seus.Quando desejou sorrir, encontrou amigos e com eles se viu envolvida em malhas de carinho.Quando desejou dormir,fechou os olhos e deixou-se estar quieta,mesmo que por pouco tempo.Mas quando desejou sumir,quando no embalo de uma paixão mal resolvida desejou fugir,viu que não seria possível.Pois ela não poderia fugir do amor,mesmo que ardentemente desejasse.
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1 de jan. de 2009

31 de dezembro


Abrira a caixa de um fôlego só.Era manhã e os passarinhos caminhavam para o que seria o último(mas não derradeiro) passeio nos arrebóis do céu daquele ano. Ela baixou a cabeça e se deixou demorar naquela caixa envelhecida de papelão. No último dia do ano anterior, ela decidiu que não iria mais deixar soltas as coisas e acontecimentos que lhe fossem importantes e teve a idéia de guardar na caixa, tudo o que lhe acontecesse, fosse bom ou ruim,mas desde que tivesse alguma ligação com seu crescimento interior ou seu ao redor. E assim no ano que se seguira, ela foi guardando o que lhe era mais caro e foi dessa maneira que lá foram parar por exemplo, a inflamação nas articulações que a acometeu em janeiro e a maneira como ela não soube lidar com essa novidade que assim como veio se foi:inesperadamente.Foram para a caixa também, a frustração de não ter ido para a festa de yemanjá nem para a lavagem do bomfim, em fevereiro e de Março guardou as novidades que chegaram com a yoga que apesar dela achar interessante não teve ânimo de continuar e do curso de francês que a apresentou a um novo mundo de sons e sabores. Em março, teve também a volta às aulas de dança de salão e ela descobriu que o zouk era o ritmo da sua alma e que quando o dançava se encontrava com Deus. Em março ainda, começaram as aulas do Doutorado em Comunicação e cultura contemporâneas que a tiraram do recesso acadêmico de 3 anos e a aproximaram do universo da análise fílmica, desvendando para ela um mundo inteiro de teorias que a deixaram boquiaberta. E o ano seguiu sem maiores tropeços, na sua cotidianidade diária, com os meses se passando sem que nada acontecesse, abril, maio, junho, julho, agosto. Em setembro, o stress nas alturas e o sobrepeso resultado da má alimentação do ano todo.Já outubro, trouxe a volta dos dreadlocks e novembro, desavenças no trabalho e o dia nacional da cultura negra que a ocupou o mês inteiro. No fim de novembro um reencontro e a certeza de que a vida podia ser mágica e que apesar de misteriosa, trazia suas riquezas. Tudo a moça foi ensacando, empacotando, inserindo, acoplando, guardando. E tudo aquela caixa foi absorvendo, como se fosse um grande buraco negro a sorver asteróides e constelações.Agora ,no último dia do ano, a caixa ali estava, à vista. E tudo foi revirado, tudo foi reolhado,tudo saltando aos olhos novamente.Mais um final de ano chegara e ela não se dera conta de que a caixa estava abarrotada. Apesar de todas as dificuldades a caixa não deixava mentir. Coisas haviam acontecido, e boas ou ruins, agora faziam parte de sua vida. Sendo assim, caixa fechada, era ora de por outra em seu lugar, nova, tinindo, e esperar pelos acontecimentos do novo ano, por tudo o que ainda iria de vir, por tudo o que com certeza ia acontecer.
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