25 de fev. de 2020

Quem vem com tudo não cansa

“Meu filho: É tudo que quero, é tudo o que queria ser e o mundo me impediu: alegre, inteligente, bonito e bom. É por isso que aprovo o vôo de meu fruto, sangue de meu sangue. Voa, querido, a vida é só uma. Viva a vida sem medo, sem repressão, mesmo que seja amando pouco. O amor, ao mesmo tempo que te beija, te morde;ao mesmo tempo que te acaricia, te maltrata; é duro e mole; é felicidade e infelicidade; é satisfação e insatisfação. Viva a vida, vida da minha vida, seja feliz de qualquer forma…” 
Carta escrita por Lucinha Araújo para Cazuza, em 21 de janeiro de 1980, antes dele iniciar sua carreira.

Esta semana li “Cazuza: só as mães são felizes” da Lucinha Araújo. E  depois de tanto tempo passado, de tanta poeira de estrelas, eu me peguei apaixonada pela trajetória deste homem que não conheci, encantada com a vida, com a história e com a síntese espaço tempo que ele levou a frente como ninguém, sendo sua premissa sempre a que afirmava que devemos aproveitar a vida ao extremo, com todas as suas dores e alegrias. Quantas vezes tive vergonha de quem sou? Quantas vezes quis fugir para o quentinho da mãe, quando aconteciam coisas ruins em minha vida? Quantas vezes deixei de lutar pelo que julgava meu de direito e quantas vezes quis ser outra pessoa ao me olhar no espelho? É justamente contra tudo isso que Cazuza sempre lutou, até o fim. Mesmo quando a fatídica doença veio, ele teve coragem de se olhar no espelho, este objeto perfuro-cortante que muitas vezes nos coloca diante de nossas maiores e mais profundas inquietações. É tocante ver como seus pais lutaram, o quanto sofreram para fazer com que seu filho sobrevivesse, é incrível como mesmo sendo unilateral, a imagem que Lucinha passa de Cazuza no livro conseguiu me tocar. “Ah! eu quero viver, beber perfumes!” disse uma vez meu poeta baiano Castro Alves. E parece que nesta frase se concentra a idéia central que Cazuza defendia. Beber perfumes era o auge da loucura pela vida para o baiano amante das letras,já para o menino pássaro carioca, o auge eram as festas, os muitos amigos, as muitas bebidas, o sexo, as viagens. Viver a vida com intensidade,não ter vergonha do que se é, dar a cara para bater a um mundo hipócrita e medíocre, eis o que aprendi com Cazuza. E nesta tarde quente de domingo, sinto saudade do que não vi e não vivi, sinto inveja de uma adolescência e juventude vivida nos anos oitenta, e vergonha desse certo pudor que acometeu os jovens que vieram depois. “Nunca tive medo de me mostrar. Você pode ficar escondido em casa, protegido pelas paredes. Mas você tá vivo, e essa vida é pra se mostrar. Esse é o meu espetáculo. Só quem se mostra se encontra. Por mais que se perca no caminho.” disse ele. E eu, que chorei por Cazuza, revivi toda sua trajetória final, quando  menina de tranças era apenas uma coadjuvante vendo a tv naquela noite de sábado, 7 de julho de 1990. Muitas pessoas choravam no vt do Jornal Nacional. E Sérgio Chapelin falava de um cantor que tinha revolucionado a história da música popular brasileira.Eu não sabia nada daquele homem magro na cadeira de rodas, não sabia quem ele foi ou o que cantava.  Mas agora eu sei. E isso por si só, me basta.

Publicado originalmente em 20/01/2008

A insustentável leveza do ser

“O que procurava em todas essas mulheres? O que é que o atraía? O amor físico não é sempre a eterna repetição do mesmo?De forma nenhuma. Há sempre uma pequena percentagem de inimaginável. Quando via uma mulher vestida, embora, evidentemente, pudesse fazer mais ou menos uma idéia de como seria depois de despida (aqui a sua experiência de médico completava a do amante), restava sempre um pequeno intervalo de inimaginável entre a inexatidão da idéia e a precisão da realidade, e era precisamente essa lacuna que lhe tirava o sossego. Tomas vivia obcecado pelo desejo de descobrir esse milionésimo e de apoderar-se dele, e esse era o sentido que dava à sua obsessão por mulheres. Não vivia obcecado pelas mulheres, vivia era obcecado pelo que cada uma delas tem de inimaginável ou, por outras palavras, vivia obcecado por esse milionésimo de diferente que faz com que uma mulher se distinga das outras. Só na sexualidade é que o milionésimo de diferente aparece como uma coisa preciosa, porque não é publicamente acessível e tem de ser conquistado. Não era, portanto, de forma nenhuma, o desejo da volúpia (a volúpia aparecia por assim dizer como brinde), mas o desejo de apoderar-se do mundo (de abrir com o bisturi o corpo jazente do mundo) que o fazia andar atrás das mulheres.”
Milan Kundera in “A insustentável leveza do ser”

Publicado originalmente em 20/06/2008

24 de fev. de 2020

Como não gostar do Ariano?

Um senhor de cabelos brancos, franzino e de aparência frágil. E ao mesmo tempo um homem do tamanho do mundo, de riso frouxo e coração na boca. Assim eu vejo o escritor Ariano Suassuna e aposto que muitas pessoas o vêem assim também. Na atualidade virou cult apreciar a obra e o homem Ariano. Muitos saem dizendo por aí o quanto ele é legal, o quanto é interessante a sua obra e blá blá blá. Na verdade, o difícil é não gostar do Ariano. Se não entendemos a sua obra, ainda nos sobra o homem/humano Ariano, que é uma das pessoas mais interessantes que eu conheço. E isto através de entrevistas escritas e tv, imagine se eu o conhecesse pessoalmente!!Ariano é a cultura popular in loco e in foco. Incrível como ele sempre entremeia “causos” e contos às suas entrevistas e o quanto ele consegue ser engraçado sem ser panfletário e ser sério sem ser pragmático ou hermético. Ariano é doce e ao mesmo tempo azedo. É menino de plumas e homem de asas, dia de quermesse em plena praça do interior e festa das letras em academias de literatura! Gosto de ouvi-lo falar com sua voz de menino/velho e estou sempre procurando entrevistas suas.
Pena que a adaptação para a tv de seu livro “A pedra do reino” não me agradou. Era estética demais num local onde deveria estar o popular com toda a sua cor local. Eu não consegui entender a linguagem dos personagens e em muitos momentos me perguntava se era portugues o que eles estavam falando. Acho que faltava alguma coisa ali, naquelas cenas exuberantes cheirando à première.Faltava o elemento humano popular, faltava a galhofa entendível e entendida, faltava a essência Ariano e todas as suas nuances que me encantaram à primeira vista.
Como não gostar do Ariano? E acima de tudo por que eu gosto do Ariano? Porque ele sou eu e eu sou ele, porque somos nordestinos e feitos desta mesma palavra poeira, porque ele é brasileiro e eu também sou e tem também o quesito amor e coração, gosto e pronto. Consegui me explicar?!

Publicado originalmente em 19/06/2007

Há quase


10 anos atrás eu passei por este blog. Foram anos postando o que me vinha na cabeça e no coração. Os tempos na internet eram outros e existia uma espécie de confraria da escrita que aproximava pessoas que queriam dividir suas vidas e elucubrações com outras pessoas na grande rede. eu fiz parte de um universo de pessoas que não tinham preguiça de ler umas às outras e comentar no que liam. Quando eu parei de escrever em blogs o facebook tava dando suas caras e o orkut estava morrendo. O fotolog estava quase fechando (esse primo longíquo do instagram). Hoje os textos foram parar em páginas do facebook e a internet se tornou um lugar de poucas palavras ou caracteres. A imagem sobrepõe a letra e o universo das redes sociais tomou conta do mundo virtual. Tudo isso só pra dizer que apesar de tudo, hoje me deu vontade de escrever por aqui e me deu saudade também de quem me lia e de quem eu lia. Vidas compartilhadas no início da revolução textual pessoal. Quase dez anos...Uma vida se passou...