26 de fev. de 2009

A caixa


Era uma manhã de inverno.Fazia frio lá fora,quando o caminhão grandão com propaganda na lateral parou na frente da casa."Ó mainha venha ver"!E todos prontificaram-se no portão,vendo o homem de azul trazer a enorme caixa e colocar na sala de casa.A caixa...E como era grande e como parecia fantástica e intransponível.E lá foram todos para cima."Não!Agora não!"dissera o pai cauteloso, enquanto ia na cozinha pegar uma faca.Rac,rac,rac.Enquanto o pai rasgava a caixa de cima à baixo,os meninos e meninas inquietavam-se excitados, tentando adivinhar o que ela continha.Hum!deve ser uma bicicleta!falou a menina do meio,esta que vos escreve,enquanto a irmã mais velha de pronto punha a língua para fora.(Incrível como a irmã mais velha sempre gostou de dar língua).Será uma nave espacial?Era o irmão mais velho tecendo elucubrações.Só pode ser uma bola,tímido o irmão caçula opinava.Quando enfim a caixa se abriu,todos viram um monte de bolas de isopor.Ah! só isso?Tanto barulho por nada,pensou a menina do meio.Foi quando de súbito surgiu dali,um outra caixa de metal,que colocada pra fora da outra caixa,a primeira,tomava toda a sala,com um cheiro inconfundível de coisa nova.De madeira,cheia de botões prateados,a caixa de metal assemelhava-se a um ser de outro mundo.Como descrever com clareza a sensação de que ali à minha frente estava algo que eu não conseguia decodificar?Como descrever a sensação de estar frente à frente com algo que eu não conhecia?A tela de vidro estática, nada me dizia e eu ficava perdida ao ver minha imagem refletida naquele vidro/espelho.Mas o melhor ainda estava por vir!Colocada numa mesa comprada anteriormente para este fim,a caixa de metal foi ligada na energia e puf!Lá estavam todos!Homens,mulheres,bichos e plantas,enquanto uma voz grave recitava produtos,músicas,propagandas.Era enfim a televisão,posta no centro da sala.E ali ficou por muitos anos,e ali me contou histórias variadas de amor,ódio,paixão,suspense.Até que se multiplicasse pela casa,até que deixasse enfim de ser uma novidade.Talvez o próprio Chateaubriand não imaginasse lá pelos idos de 1950,o quanto a invenção que ele nos trouxe mudaria minha visão de mundo.E enfim,por mais que se mostre esgarçada em muitos aspectos,é a televisão uma grande companheira,foi através da televisão que vivi alguns dos momentos mais emocionantes de minha vida.Acho até que no fundo vou ser sempre aquela menina de laço de fita,que naquele longínquo dia de inverno,descobriu que a caixa de papelão continha mais do que bolas de isopor,a caixa deixada pelo homem de azul,continha sonhos.
Imagem: google imagens

21 de fev. de 2009

Seguindo


Era só seguir a estrada que começava no fim da rua. A estrada de lajedos coloridos, que me levaria a um novo mundo sem fome,guerras ou solidão.Mas nesse caminho eu encontraria de tudo: animais peçonhentos,pessoas inimigas,cachoeiras,montanhas incomensuráveis e intransponíveis,grandes aventuras,novos amigos,doces,guloseimas,grandes amores,vento nos cabelos.Tudo o que não existia na minha vida morna e sem emoção,que se repetia todos os dias no compasso certo de um ritmo marcado e demarcado.Era uma mistura de Alice no país das maravilhas com O mágico de Oz,com a diferença de que eu não tinha nos pés as sapatilhas mágicas que me levariam pra casa caso algo desse errado, mas sim sandálias de couro,gastas e marrons,tão comuns na minha terra.E lá ia eu,descendo a rua sem olhar para trás,encontrando muitos vizinhos pelo caminho, que me perguntavam aonde eu ia e o que ia fazer,para logo em seguida se calarem,diante de minhas não-respostas.É que sempre achei que fugir de casa não tinha graça se você avisasse que estava fugindo né?E assim era este sonho,que se repetia noite após noite,durante anos e anos de minha vida.Sonho que muitas vezes foi alento,nas noites passadas em claro,no vazio do meu quarto.Sim, porque sonhar é preciso e até hoje não sei ao certo porque passei tanto tempo sonhando com aquela estrada de pedras coloridas.Medo do futuro?Vontade de beber o mundo?Sede por largar a barra da saia da mãe e alçar vôos mais longos? talvez tudo isso misturado,talvez nada disso.Talvez fosse apenas a vontade de crescer (novamente ela),que me impulsionava pra frente e me dava ganas de correr o mundo,como ainda hoje acontece. Bem,a estrada ainda existe em meus sonhos,apesar de um pouco diferente.E digo isso porque a estrada que antes era apenas idílica e onírica,hoje é bem mais real,aquela estrada de pedras coloridas,hoje se personifica, toda vez que corro atrás de um sonho ou toda vez que me entrego numa busca ou aventura.A estrada antes feita de nuvem,hoje ganha contornos bem nítidos toda vez que teimo em lutar,seja pela vida,seja por amor,seja por mim mesma.E continuo deixando o mundo para trás.E se me volto alguma vez é mesmo apenas para colher os momentos bons,porque no que diz respeito aos erros,o melhor é esquecê-los.
Imagem: Google imagens

15 de fev. de 2009

Sonhos e castelos de areia...


Há quem veja nos castelos de areia imagens negativas de sonhos que naufragaram...Há quem veja na imagem das pessoas que constroem castelos de areia, alguém que há muito perdeu o senso e não mais sabe o que fazer com uma vida dura e sem salvação. Para mim a imagem do castelo de areia sempre foi emblemática. Quando criança,nas raras vezes em que ia à praia, eu gostava de construí-los, e passava horas e horas absorta no alegre construir de pontes,quartos de princesa e salões de festa...Enquanto meus irmãos e amigos jogavam bola,boiavam na água,enchiam de pânico os adultos que faziam tudo na praia,menos descansar,eu deixava-me ficar ali,animada com meus personagens de duna,embevecida com as peripécias das pessoas da côrte,que saíam direto de minha imaginação e iam morar ali,naquele castelo à beira mar.Lá pelas cinco horas da tarde o mar subia e ao invés de me inquietar com esta perspectiva, eu fazia exatamente o contrário,pois era com extrema ansiedade que eu esperava por este momento. Ver o mar com sua fúria invadindo e destruindo tudo me causava uma extrema excitação. Eu pensava cá comigo, "lá vem o rei de todos os reis" e imaginava que o mar era meu amigo,pois apesar de levar a comunal estrutura de areia,ele não me levava. Antes,tocava em mim,com sua boca salgada,me beijando os pés e enchendo de sal os meus cabelos. Eu pensava "Putz,ele não me levou,então no mínimo eu devo ser mesmo importante,pois ainda estou viva" .O que sei, é que eu sempre apreciei fazer castelos de areia e sempre ansiei pelo momento em que veria o mar vir buscá-los. O mar sempre aceitava o meu presente, e isso era um bom sinal. E o que mais me alegrava na vida,era saber que por mais que o mar levasse meu castelo,eu sempre teria a chance de fazer outro, e outro e outro.Ou seja,o mar nunca esgotava meu horizonte de perspectivas,pois eu sempre poderia começar de novo, e por ter um novo começo sempre,as vezes acontecia de fazer castelos ainda mais bonitos que os anteriores.Com a idade adulta,eu deixei de fazer muitas das coisas que amava.Cessaram os passeios,os amigos,as praias,os castelos.Mas nunca esqueci desta grande metáfora que aprendi com a vida.Construir sonhos é como construir castelos de areia. Se ousamos sonhá-los temos também que estarmos preparados para um possível naufrágio. Se a água vem e molha tudo,desfazendo os sonhos,temos que lembrar sempre que vai haver outra chance e que sempre será tempo de recomeçar. O grande rei que pode ser o mar,ou pode ser Deus,pode não concordar com seu castelo.Mas saiba que sempre haverão outros,e poderemos até com o naufrágio,construir melhores e mais resistentes fundações. No mais, sempre haverá a dica,um segredinho que ainda não contei: As vezes quando queria que um castelo durasse pra sempre(crianças sempre acreditam que o pra sempre nunca acaba)era só construir o castelo longe do mar.No sopé da areia em que o mar nunca chegava.Pois é,até mesmo as crianças as vezes têm a nítida noção de grandes sonhos. Se o seu sonho for muito importante e se o desejares do fundo da alma,uma coisa eu lhes digo:não há mar que os derrube.Pois até mesmo o mar as vezes se rende às grandes coisas desejadas pelos homens,do fundo de seus corações de areia e névoa...
Imagem: Getty images

7 de fev. de 2009

Separar-se


"Meu deus","minha casa", "meu amor".Passamos a vida inteira a cantar o que é nosso, como se pudéssemos ter as nossas coisas para sempre.Muitas vezes na vida, ficamos entre o possuir e o ter, e não raro escolhemos a primeira opção; e acabamos repassando esse desejo de posse às pessoas com as quais convivemos, as quais um dia amamos.Por mais que numa hora de aflição saibamos que há um Deus para cada homem, sempre chamaremos por ele,como se este fosse só nosso.Nosso Deus e somente nosso. Com o amor é a mesma coisa. Se temos um namorado ou namorada, logo esta pessoa passa a ser nossa,como se a pudéssemos aprisionar,pelo simples fato de a amarmos.E quando descobrimos num fatídico dia, que o amor que julgávamos nosso,acabou,(sim porque o amor também acaba)é como se o mundo viesse abaixo, como se só nesse momento descobríssemos que tem coisas que nunca se findarão e outras que um dia terão seu fim.Coisas da vida.E é nesse momento que percebemos que separar-se e desfazer-se do que julgávamos nosso,será uma das maiores batalhas que um dia engendraremos.Porque não há nada mais difícil do que deixar para trás um sonho de amor.Não há nada mais triste ou problemático, do que nos desfazer-mos de fantasias há muito arraigadas,profundamente amarradas nesse coração que é nosso,também. Assim acontece comigo, com o meu vizinho ou irmã.Assim acontece com todo mundo um dia, e sempre será assim.Separar-se de quem um dia amamos é acima de tudo aceitar que nem sempre teremos o que queremos e que nem sempre as coisas acontecerão como desejamos.Mas é também aprender que sim,"Ninguém é de ninguém" e não poderemos nunca forçar alguém a nos amar como merecemos ou queremos.O amor meus caros,não aceita laços ou prisões.Antes,é ele,que nos amarra e aprisiona.Em suas cadeias e nós, é ele quem dita as regras, e nossa vida segue assim,entre um encontrar e um separar-se até que chegue o dia de não mais nos apartarmos,partes partidas que somos,de outras pessoas, de nossos pais, de nossas memórias...
Imagem: Google imagens