31 de mar. de 2009

De meninas e sóis...

Nascera com o sol esparramado por entre suas retinas.E desde cedo percebera que se espalhar pelas coisas era bom,assim como era bom,ver/aquecer as pessoas ao seu redor.Era uma menina com o sol por dentro, e sempre que amanhecia e o sol lá fora,beijava todo o quarto, ela absorvia aquela força e deixava-se envolver por aquela áurea irrestrita, deixando-se irradiar inteira pelos móveis,objetos,fotos,papéis,lençol e cama.O sol que ardia dentro dela as vezes se encontrava com o sol lá fora e quase sempre era uma festa de luzes e cores naquele quarto perdido naquela cidade. A menina sabia ser amiga e sabia ser arredia quando necessário.Tinha a fome de mil sóis e quem tivesse a chance de dela se aproximar tinha sempre dois caminhos.Fugir de seu calor/queimadura ou se aproximar de seu calor/carinho.Sair para ver o mar era um de seus passatempos preferidos e foi diante dele,que um dia pediu um amor/passarinho.É que ela queria cuidar de alguém,responderia,se caso a perguntassem.Mas logo cedo,percebera,que amar seria uma das coisas mais dificeis de acontecer e que o amor era a coisa mais linda e a coisa mais complicada, tudo isto ao mesmo tempo.Ah! esta menina com o sol por dentro era tão sonhadora! Gostava de arquitetar sonhos e aventuras,de cavalgar em cavalos marinhos e dormir em nuvens azuis de formatos diversos.Gota a gota,bebia a vida,como se esta fosse um grande copo do suco mais saboroso ou da bebida mais quente e salutar.Tinha um jeito único de se demorar nas pessoas e sob a pele de seus olhos podia-se perceber o mundo.No fundo,tinha um universo particular que era só seu e quase ninguém ousava romper este segredo,ou mesmo se aproximar deste mundo infinito e trancado a sete chaves.No entanto,muitos se enamoraram do seu jeito, a muitos ela ofereceu sua cama e seu leito,mas ninguém conseguira ficar.É que a menina tinha um jeito só seu de permanecer sem no entanto deixar que alguém permanecesse.Porque no fundo este calor que ela emanava queimava tanto quanto aquecia.É que no fundo o amor que ela suscitava preenchia tanto quanto doía.Melhor ficar longe,diriam muitos. É preferível o amor que aquece,mas que não queima,o amor que enobrece e que só esquenta a chama do amor,quando há amor, e não quando é só desencontro.No fim a menina segue seu caminho.Até que encontre alguém que tenha olhos de a olhar,sem se queimar.Alguém que aceite correr o risco de se envolver com alguém feito de abismos,prestes a derrubar.De feridas prestes a se abrir,porque o amor além de chama,também evapora.E além de vento,também semeia tempestades.Porque ela é uma menina com o sol por dentro,feita de precipícios também.
Imagem: google imagens

16 de mar. de 2009

As (Às) mulheres de klimt

Danae (1907-1908)
Judith,Emilie,Margareth,Fritza,Adele,Mäda,Einige.Muitas foram as mulheres retratadas e imortalizadas nas telas do pintor austríaco Gustav Klimt. Coloridas,héteros, sensuais,feias,bonitas,engraçadas,pitorescas,desanimadas,lésbicas,gordas e magras.Mulheres de todo o tipo e pintadas com a destreza e a delicadeza que só mesmo um artista seria capaz de revelar.Muitas foram as escolhidas por Klimt,mas a minha se chama Danae,e é para mim,uma espécie de símbolo,signo natural que representa sensualidade e entrega.Conheci Danae em 2003,quando montava um post para o meu primeiro blog.Ao ver a imagem do quadro,subitamente estaquei.Danae tocara fundo na minha alma,porque era tudo o que eu queria ser,a imagem de uma mulher entregue ao seu sentimento,à mercê do roçar dos pincéis de seu amo e senhor,um pintor que ao passo que a imortalizava com suas tintas,beijava-a com sua arte.Danae possui cabelos vermelhos e seios à mostra.Nua,recostada sobre uma manta de seda,fecha os olhos e deixa-se sonhar.No que será que pensa Danae?Em que mundo vivem os seus sonhos?Que tipo de homem a agrada?Que cheiros?Que perfumes?Embebida em sua própria condição de mulher feminina,Danae representa a obra de um pintor que mexe com cores vibrantes e exalta em suas telas o vermelho sempre vivo da paixão, o verde encarnado da esperança,o amarelo ouro,o marrom terra e o preto céu noturno.Klimt é homem e também é mulher,na medida em que parece entender esse universo tão complexo e ao mesmo tempo tão cristalino.Prender todas as mulheres numa moldura?Muitos achariam impossível. Mas Klimt consegue este feito. Pois ao retratar as mulheres que conhecia,ao retirá-las de seu mundo particular,ele acabou por imortalizar para sempre a beleza sensível e tocante de toda mulher.A mulher que se entrega,se apavora e se apaixona.A mulher que sofre,que lamenta e que se abandona.A mulher que é poesia e é arte,a mulher que esfria de dia e que de noite arde.Mulher em essência e conteúdo,mulher.E como é bom ser mulher, como é bom me ver nas mulheres de klimt,sobretudo em Danae...

14 de mar. de 2009

Queria sorrir mas não conseguia...

Queria sorrir mas não conseguia.Era como se no fundo faltasse alguma coisa e o seu rosto todo se contorcesse ao perceber um provável sorriso.Perdera os dentes cedo,aos dezenove anos,e foi como se o mundo tivesse encolhido e lhe dito: "Sorrir é para poucos".Desde então sua vida era um emaranhado de recorrentes anarquias.Quando o peito doía e lhe enchia de água os olhos, ela postava a dentadura no copo e se deixava estar sem sorriso.Quando o dia lá fora estava belo e encantador ela se permitia sorrir e punha na boca aquele sorriso artificial,mas não menos verdadeiro.E assim,entre "colocar" ou não o sorriso, ela ia escolhendo os momentos que mereciam seu riso ou escárnio, assim, como quem escolhe que roupa vestir de um armário já tão embotado que não oferece mais nada de novo. Sair de casa para o trabalho era difícil deveras. Enfrentar aqueles rostos pela manhã a lhe indagarem o porquê de nunca sorrir era um martírio. Era pôr os pés pra fora e todos diziam :"Lá vai a moça sem sorriso!", "Dizem que perdeu um noivo estrangeiro" ,"Dizem que partiu a boca em duas partes", "Dizem que foi molestada pelo pai"...E todos tinham sua opinião e conjecturavam satisfeitos, que não havia coisa mais gratificante que opinar e discutir a vida da moça que nunca sorria.E a moça seguia sua vida assim, colocando e tirando o sorriso sempre que achava valer a pena, entristecendo-se com a vida de poucos dentes e muitos problemas.Com a vida de muitas pessoas e nenhum amor para lhe aquecer o coração.E assim como lhe faltavam os dentes,foi-se-lhe faltando a vida e o tempo passou e correu, e com os filhos dos outros brincou e jogou, sem nunca ter tido os seus, sem nunca ter parido ou gemido de dor ou prazer.Até que se fossem todos para as terras do nunca mais: Seus pais, vizinhos, irmãos e primos. Até que a moça fosse, já bem velhinha, morar num asilo de velhos, que velho é feito para ser jogado em um, disseram os sobrinho-netos.Nos primeiros dias deixou-se ficar absorta.Nunca tinha visto tantas pessoas juntas num só lugar.E se elas soubessem do seu não sorriso? O que diriam? Como estar digna em meio àquelas pessoas que havia acabado de conhecer se não conseguia ao menos sorrir?Foi quando num dia de domingo deu-se o milagre.Sentada na praça interna do asilo, viu um homem se aproximar.Vestia casaco marrom, e tinha no ombro broches de um tempo que passou, medalhas de um tempo em que foi marinheiro, homem do mar."O que será que ele quer comigo?", pensou.Mas ele ao cercar-se dela, nada falou.Abaixou-se,pegou uma rosa vermelha e lhe deu, ao passo, que passava a mão nos seus cabelos e acariciava-os, como se já a conhecesse desde muito tempo.E ela que de tão surpresa,por ser a primeira vez que ganhava uma flor,sorriu, e nem se lembrou desta vez de verificar se tinha colocado o sorriso ou não.Não tinha.E ele percebeu que não."E agora, como voltar atrás e colocar o sorriso,já que estou tão feliz?" Ele como se percebesse sua angústia sorriu também.E querem saber se ele também tinha dentes? não tinha. E foi assim, que ela percebeu,pela primeira vez na vida que não eram os dentes que a ajudavam a estar feliz ou triste.Que felicidade era uma coisa que vinha de dentro e que uma vez sentida, despia-a de toda e qualquer vergonha ou pudor.Ser feliz de verdade, era isso então.Sorrir mesmo sem dentes,sorrir mesmo com chuva ou tempestade.E se permitiu então descobrir o amor aos 70 anos. E conseguiu enfim perceber que são mesmo as coisas simples da vida que mais nos fazem felizes e que ter dentes ou não, não mais importava.Pra que dentes se ela tinha agora o amor?Se ela podia comer com os olhos o que nunca degustou e lamber com a língua o que nunca tocou?Querem saber por onde anda a moça/senhora triste? Vive a sorrir seu sorriso sem dentes por aí,pois sabe que a vida não é só espinho e que ela por fim,descobriu a grande verdade:Que sorrir ou entristecer depende da gente.São escolhas diárias que fazemos.E a escolha dela ela fez.E nunca mais deixou de sorrir novamente.
Imagem: Google imagens

7 de mar. de 2009

Eu X o outro

Eu não sou eu, nem sou o outro
sou qualquer coisa de intermédio,
pilar da ponte de tédio,
que vai de mim para o outro.

(Mário de Sá Carneiro)


Conversa,colóquio,conexão.Incrível como estas palavras me soam tão bem.Incrível também esta minha necessidade,esta prioridade absoluta que tenho de conversar,de me comunicar e de estar com o outro,bebendo-o, sorvendo-o,tornando-me duas e uma e duas novamente,nesta magnífica troca de informações.Sim, e infelizmente,o homem prefere construir muros ao invés de pontes,principalmente nos dias de hoje em que não podemos mais confiar em quase ninguém,onde até mesmo as crianças já nascem criando inimigos.Mas o fato é que ainda assim,para mim, o outro será sempre fonte inexorável de descobertas,e as histórias vividas e a mim contadas terão sempre imenso sabor.Eu, sempre gostei de conversar.Na rua,no ônibus,na escola,no trabalho,em casa.Desde tenra idade gostava de contar o meu dia às minhas bonecas.E no alegre colóquio,ficávamos nós a discutir premissas da vida.(As bonecas podem ser grandes ouvintes).Nunca fui uma pessoa popular,e na escola não tinha grandes multidões ao meu lado,na hora do intervalo.O que eu tinha sempre,porém,era um velho e bom amigo que comigo quisesse conversar.Apesar de tudo,o ser humano sempre me despertou curiosidade.Me encanta,a maneira como agimos de maneira igual em diversas ocasiões,mesmo sendo tão diferentes.O ser humano é um só e apesar de ter evoluído e de teimar em ver valor na cor da pele ou no volume de notas de dinheiro nas carteiras de cada um,ele é igual,quando se apaixona,quando ama,quando se deita e morre de amor. Na ponte que vai de mim para o outro,eu serei sempre o intermédio.Porque a partir do momento em que o meu eu entra em contato com o do outro eu não sou somente eu e sim uma nova pessoa, formada pelo que sou e pelo que o outro é,metade mim,metade o outro,nesta alegre e curiosa fusão.Retire de mim a minha capacidade de me comunicar e eu estarei morta.Impeça-me de exercitar minha fala e eu definharei tal como um pássaro impedido de alçar vôo em suas manhãs azuis.E afinal,ter o outro em nós é maravilhoso.E mesmo que não tenha ficado nada de mim,nenhum fragmento meu nas pessoas com as quais estive em minha vida,com as quais conversei e troquei experiências,o que sei,é que no momento em que estivemos conectados,aprendi coisas novas e acrescentei em mim,pedaços seus,fragmentos e cacos existenciais e eternos que fazem de mim o que sou hoje.Pronta para continuar mudando,cá estou eu,à espera de novas conversas,novas e sutis descobertas.
Imagem: google imagens

1 de mar. de 2009

Mutações

Quando eu era criança,lembro de certa vez ter me indisposto com uma colega minha.Tinha pegado uma caneta dela emprestada e esta estourara,molhando de azul minha folha de caderno.Esta colega com os punhos à mostra deu a cartada final: Ou traria outra caneta novinha no dia seguinte ou ela quebraria todos os meus dentes.Eu o que fiz?Trouxe-lhe outra caneta no outro dia,claro.Outra vez já adolescente,minha professora de português lançou em classe um concurso de redação com tema livre.Muitos colegas escreveram a sua,mas apenas uma foi escolhida, a de uma menina que eu odiava.Logo em seguida descobri para minha tristeza,que se tivesse entregue à professora a minha redação(O que não fiz por pura vergonha),eu teria ganho o concurso. "Só agora que você me mostra? A sua teria ganho com certeza,pois está muito bem escrita!",disse a professora.E assim tem sido durante toda minha vida;em muitos momentos sinto que deveria ter agido de outra maneira,em muitos casos sei que bastaria apenas mais um passo,um voto de confiança em mim mesma e tudo teria sido diferente.Incrível como nossa vida está sempre mudando,se mutacionando. Incrível como a vida dá voltas e acabamos indo parar em lugares nunca antes imaginados,situações nunca antes vividas.Houve um tempo em que isso me animava,pois via esta antimonotonia da vida como algo positivo.Mas já faz tempo que não sei mais lidar com mudanças bruscas.E me pego assim,meio sem chão,sem saber ao certo, como dar a partida e recomeçar. O fato é que se as mudanças nos trazem algo de bom,não é no momento que elas acontecem que percebemos.Pois,uma vez envoltos nessa dor que é só nossa, não lembramos de atribuir um valor positivo à nossas lágrimas. O sábio Kierkegaard disse uma vez que quando não desejamos ser o que somos,vamos de encontro à nossa essência, e com isso nos ferimos.Mas já quando desejamos ser o que não somos,podemos estar diante de uma grande possibilidade: crescer,mudar.(Tentador,não?!).Na verdade o que o grande sábio parecia querer dizer é que no momento em que ousamos desejar ser diferentes,rompemos a barreira da mesmice e neste caminho que leva ao auto-conhecimento,acabamos nos transformando em pessoas melhores. Eu, já quis ser bailarina,escritora,veterinária.Muitas coisas.Estes desejos se foram.Por hora eu me contentaria em ser apenas eu mesma,mas confesso que transformar as minhas falhas e farpas em coisas positivas me agrada e muito.Hoje o meu desejo de mudar é grande,pois quando perdemos algo que muito amávamos, a primeira e melhor opção é sempre a boa e velha auto-avaliação.Onde foi que eu errei?Como faço para não errar de novo?No fundo fica a certeza de que a vida infelizmente não nos dá a resposta para muitos de nossos questionamentos.A vida apenas está aí,para ser vivida, e não, questionada.A crise pode muito bem nos levar ao fundo de nossa alma,ao limbo permanente de nossos defeitos,mas enfim,pode também ser uma chance de mudarmos o que não serve em nós e então mutacionados, partirmos para novos e mágicos vôos...

Imagens: google imagens