“Meu filho: É tudo que quero, é tudo o que queria ser e o mundo me impediu: alegre, inteligente, bonito e bom. É por isso que aprovo o vôo de meu fruto, sangue de meu sangue. Voa, querido, a vida é só uma. Viva a vida sem medo, sem repressão, mesmo que seja amando pouco. O amor, ao mesmo tempo que te beija, te morde;ao mesmo tempo que te acaricia, te maltrata; é duro e mole; é felicidade e infelicidade; é satisfação e insatisfação. Viva a vida, vida da minha vida, seja feliz de qualquer forma…”
Carta escrita por Lucinha Araújo para Cazuza, em 21 de janeiro de 1980, antes dele iniciar sua carreira.
Esta semana li “Cazuza: só as mães são felizes” da Lucinha Araújo. E depois de tanto tempo passado, de tanta poeira de estrelas, eu me peguei apaixonada pela trajetória deste homem que não conheci, encantada com a vida, com a história e com a síntese espaço tempo que ele levou a frente como ninguém, sendo sua premissa sempre a que afirmava que devemos aproveitar a vida ao extremo, com todas as suas dores e alegrias. Quantas vezes tive vergonha de quem sou? Quantas vezes quis fugir para o quentinho da mãe, quando aconteciam coisas ruins em minha vida? Quantas vezes deixei de lutar pelo que julgava meu de direito e quantas vezes quis ser outra pessoa ao me olhar no espelho? É justamente contra tudo isso que Cazuza sempre lutou, até o fim. Mesmo quando a fatídica doença veio, ele teve coragem de se olhar no espelho, este objeto perfuro-cortante que muitas vezes nos coloca diante de nossas maiores e mais profundas inquietações. É tocante ver como seus pais lutaram, o quanto sofreram para fazer com que seu filho sobrevivesse, é incrível como mesmo sendo unilateral, a imagem que Lucinha passa de Cazuza no livro conseguiu me tocar. “Ah! eu quero viver, beber perfumes!” disse uma vez meu poeta baiano Castro Alves. E parece que nesta frase se concentra a idéia central que Cazuza defendia. Beber perfumes era o auge da loucura pela vida para o baiano amante das letras,já para o menino pássaro carioca, o auge eram as festas, os muitos amigos, as muitas bebidas, o sexo, as viagens. Viver a vida com intensidade,não ter vergonha do que se é, dar a cara para bater a um mundo hipócrita e medíocre, eis o que aprendi com Cazuza. E nesta tarde quente de domingo, sinto saudade do que não vi e não vivi, sinto inveja de uma adolescência e juventude vivida nos anos oitenta, e vergonha desse certo pudor que acometeu os jovens que vieram depois. “Nunca tive medo de me mostrar. Você pode ficar escondido em casa, protegido pelas paredes. Mas você tá vivo, e essa vida é pra se mostrar. Esse é o meu espetáculo. Só quem se mostra se encontra. Por mais que se perca no caminho.” disse ele. E eu, que chorei por Cazuza, revivi toda sua trajetória final, quando menina de tranças era apenas uma coadjuvante vendo a tv naquela noite de sábado, 7 de julho de 1990. Muitas pessoas choravam no vt do Jornal Nacional. E Sérgio Chapelin falava de um cantor que tinha revolucionado a história da música popular brasileira.Eu não sabia nada daquele homem magro na cadeira de rodas, não sabia quem ele foi ou o que cantava. Mas agora eu sei. E isso por si só, me basta.
Publicado originalmente em 20/01/2008
Publicado originalmente em 20/01/2008